sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Alfred de Musset – A confissão de um filho do século




Alfred de Musset – A confissão de um filho do século
Por César Alves

L´enfant Terrible do romantismo francês, Alfred de Musset já produzia versos aos 14 anos. Seu talento precoce não passou despercebido e logo foi aceito como o mais jovem escritor no seleto grupo de artistas do Cénacle, salão literário dirigido por Charles Nodier.
Embora a importância do convívio com os notáveis tenha tido forte impacto no jovem Musset, é justamente na maneira como o autor trata tal honraria que deixa claro sua independência criativa e indisposição para abrir concessões.
Exemplo é o episódio que marcou sua saída da confraria poética, envolvendo seu freqüentador mais famoso. Ninguém menos do que Vitor Hugo.
Contrariando seus colegas, o jovem teria se recusado a prestar homenagem ao maior dos poetas franceses, como faziam todos ali. O que, embora possa ser visto como a mais infeliz demonstração de arrogância e pretensão, não deixava de ser também um ato de autenticidade.
Tamanha ousadia bastaria para por fim à carreira de qualquer poeta, mas não à carreira de Alfred de Musset.
Aos 19 anos, já era respeitado como autor dos Contos da Espanha e Itália, Pensamentos secretos de Rafael e Votos Estéreis, demonstrando desenvoltura na composição de poemas, contos, romances e peças de teatro. Idade também em que começa a desenvolver seu gosto pelos excessos, principalmente o alcoolismo – que viria a matá-lo precocemente anos depois –, pela vida noturna e pelas mulheres.
Ao longo de sua curta existência, o Musset teve muitas paixões, mas nenhuma tão intensa quanto a que compartilhou com a poeta George Sand – Amandine Aurore Lucile Dupin, que assinava com pseudônimo masculino, posto que mulheres escritoras não eram aceitas pela sociedade e o próprio meio intelectual da época.
Dotada do mesmo espírito livre do poeta, Sand também teve muitos amantes, incluindo o compositor Frédéric Chopin, e a tórrida paixão compartilhada entre eles rendeu rompimentos e reatamentos catastróficos e dolorosos. Seu relacionamento turbulento teria sido a inspiração para que o autor escrevesse A confissão de um filho do século que, depois de muito tempo fora de catálogo, volta às livrarias brasileiras numa bela edição da editora Amarilys.
Obra claramente autobiográfica, A confissão de um filho do século foi publicada em 1836, três anos depois da primeira traição de Sand, com seu médico de confiança, quando o poeta se encontrava enfermo, e depois das diversas tentativas de reatamento, marcadas por conflitos e ataques violentos de ciúmes de ambos os lados.
Narrado em primeira pessoa, o livro conta a história de Otávio, jovem bon vivant, apaixonado pela vida, mas inexperiente quanto às incertezas dos relacionamentos amorosos e no que podem trazer de dor. Inspirado nos poetas e crente no amor idealizado e trágico que movem os heróis românticos, como o jovem Werther de Goethe, o personagem é surpreendido pela traição de sua amante com um de seus melhores amigos, a quem desafia para um duelo.
Derrotado por seu oponente na peleja com pistolas, que deveria lavar com sangue sua honra ofendida, Otávio mergulha na depressão, provocada pela vergonha e o amor que ainda nutre por sua amante, apesar da traição. É em busca de uma cura para a mistura de ódio irracional com paixão e ciúme coléricos que o personagem empreende uma jornada pelas profundezas da noite parisiense, povoada por prostitutas, poetas libertinos e orgias etílicas.
Citado, ao lado de obras como Em busca do tempo perdido de Proust, entre os principais romances de descoberta e marca de sua geração, A confissão de um filho do século é a primeira de uma trinca de livros, escritos por Musset, que versam sobre a experiência amorosa no que ela traz de sofrimento, mas também de amadurecimento ao espírito, seguida de Noites (1837) e Recordações (1841).

Serviço:
A confissão de um filho do século
Autor: Alfred de Musset
Tradução: Maria Idalina Ferreira Lopes
Editora: Amarilys
296 páginas

(Texto extraído da edição número 27 da revista Cenário que começa a circular na próxima semana)







segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Histórias da Mesa - Massimo Montanari



Casos gastronômicos saborosos

Livro de Massimo Montanari reúne histórias curiosas dos séculos XIII ao XVII sobre nosso comportamento à mesa.
Por César Alves

Na Nápoles do século XIV, durante uma refeição oferecida pelo rei Roberto I a Dante Alighieri, o monarca teria ficado espantado com o comportamento nada convencional do poeta à mesa. Rompendo com todos os protocolos de bons modos, principalmente diante de um membro da realeza, o autor de A Divina Comédia esfregava carne e vinho nas próprias vestimentas.
Em Rivotorto, por volta do ano de 1225, Francisco de Assis pretendia suplicar ao imperador que lançasse um édito geral, obrigando todos que tivessem recursos a espalhar trigo e grãos pelas ruas para que “os passarinhos e as irmãs cotovias pudessem tê-los em abundância”, como parte de sua concepção do que seria uma verdadeira ceia de Natal. Um banquete geral, no qual os pobres e os mendigos fossem saciados pelos ricos e que mesmo os animais comecem mais.
As duas histórias, aqui bem resumidas, são exemplos de alguns dos casos deliciosos e curiosos reunidos pelo historiador e pesquisador, Massimo Montanari no ótimo livro Histórias da mesa, que acaba de sair no Brasil.
Dividido em 22 capítulos, o livro traz casos – alguns verídicos, outros um tanto quanto duvidosos – pinçadas pelo autor de registros históricos que vão do século XIII ao XVII. Alguns, como os citados acima, protagonizados por celebridades históricas, outros tendo como personagens figuras anônimas.
Aqui ficamos sabendo como, durante a celebração de um casamento, os convidados foram intimados a comparecer diante dos magistrados, em até três dias, para se defender das infrações contra a “Sereníssima”, tendo como prova do crime a carne de caça na mesa e as espinhas de peixe das sobras. “Não sabeis que, nos banquetes de núpcias, é proibida a mistura de carne e peixe?” Observava a acusação.
Professor de história medieval na Universidade de Bolonha, Itália, Massimo Montanari é pesquisador gastronômico e organizador de História da Alimentação (Estação Liberdade) e O mundo na cozinha – História, identidade, trocas (Estação Liberdade e Editora Senac-SP).

Serviço:
Histórias da Mesa
Autor: Massimo Montanari
Tradução: Federico Carotti
Editora: Estação Liberdade
232 páginas


segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Entrevista Lenise Pinheiro - Fotografia de Palco



A lente é cheia de som e de fúria – Entrevista Lenise Pinheiro

Principal nome da fotografia de palco brasileira, Lenise Pinheiro falou com a Cenário sobre sua trajetória e os segredos de seu ofício, durante o lançamento de seu novo livro.
por César Alves


Se o teatro brasileiro contemporâneo possui uma história iconográfica definitiva, é através do olhar de Lenise Pinheiro que ela se revela. Fotógrafa preferida de dez entre dez profissionais das artes cênicas – dos funcionários de bastidores aos grandes atores e atrizes e dos diretores aos produtores, passando por dramaturgos, cenógrafos, montadores e figurinistas –, ela acaba de lançar Fotografia de Palco II (Edições Sesc).
A obra, que dá segmento ao projeto iniciado em 2008, com a publicação do primeiro volume, reúne registros fotográficos realizados durante apresentações das mais importantes peças e performances cênicas realizadas no Brasil nas últimas décadas.
Dotada de um olhar perspicaz e talento para capturar a ação e transpor para a imagem a mesma intensidade de quem presencia a cena no calor do momento, Lenise parece utilizar a câmera como o poeta faz uso de sua pena, dando à fotografia de palco a mesma sensação catártica que faz da experiência teatral arte suprema. Essa afinação, entre o poético e o fotográfico, está evidente nas imagens que compõem os dois volumes de Fotografia de Palco e também o recente Teatro Oficina: Fotografias (Imprensa Oficial), fruto de sua longa parceria com Zé Celso e Marcelo Drummond.
Foi entre os lançamentos de Fotografia de Palco II em São Paulo e Rio de Janeiro (marcado para outubro, na Livraria Travessa de Ipanema), que Lenise Pinheiro conversou com a revista Cenário sobre sua trajetória e sua paixão pela fotografia e a pluralidade grandiosa do teatro brasileiro.

A fotografia, como profissão e expressão artística, sempre fez parte de sua vida? Como se deu seu primeiro contato com a câmera?

Lenise Pinheiro: Sim. Utilizo a fotografia como forma e comunicação desde a infância. Cobria as festividades familiares, reuniões escolares, os presentes que ganhava e das embalagens coloridas que capturavam minha atenção. Também era comum fotografar os animais de estimação da vizinhança e comercializava os álbuns entre amigos, familiares e conhecidos do bairro
A escolha do universo teatral como principal foco de seu trabalho ocorreu de forma natural ou surgiu da descoberta de uma paixão pelo segmento ao longo de sua inserção no meio artístico? Conte-nos um pouco sobre como ocorreu esse processo.

Lenise Pinheiro: Sou mais a favor da palavra “trajetória”. Ela se deu desde o início na Escola de Arte Dramática, com o Grupo Ar Cênico à partir da montagem Laços em 1983. O diretor Odavlas Petti foi o primeiro a fomentar em mim o desejo de seguir no Teatro. Depois veio o ator Marco Ricca, o primeiro a me contratar. Fiz trabalhos paralelos em empresas, produtoras e em estúdios, até foto de cirurgia, eu fiz. Isso nos primeiros dez anos de trabalho, quando ainda eu não era conhecida. Hoje, depois de trinta e poucos anos, estou cada vez mais animada em continuar fazendo o que faço.

A que se deve a conquista da liberdade para passear com desenvoltura pela intimidade, não só dos astros e estrelas dos espetáculos, como também dos profissionais de bastidores? Alguma vez teve problemas com equipe de produção ou artistas para fazer um registro?
Lenise Pinheiro: Sempre fui muito bem recebida por todos. Faço-me presente gosto de ser vista. Tento ser transparente para que o olhar do ator perpasse a mim e meu equipamento.

Com o primeiro volume de Fotografia de Palco ficou clara a importância de seu trabalho como histórico iconográfico definitivo do teatro brasileiro contemporâneo. O livro, no entanto, já deixava um gostinho de “quero mais” e o lançamento do segundo volume não decepcionou as expectativas. Quando surgiu a idéia de dar segmento ao projeto ou, desde o início, já havia a intenção de um segundo volume?
Lenise Pinheiro:  Vivo para fotografar Teatro. Meus livros são extensão desse trabalho. Sou responsável pelo projeto gráfico de todos eles. Afinal, tenho também o Livro Teatro Oficina que reúne textos e fotos desde a reforma do teatro até 2014, data que ele foi lançado. Minha parceria com o Zé Celso e com o Marcelo Drummond inspirou a edição. Esse livro é inspirado nas iridescências de Iris Cavalcanti, produtora das publicações de todos os meus livros e trabalhos.

Como foi feita a escolha das fotos e o que foi levado em conta na seleção das imagens que ilustram as duas obras?
Lenise Pinheiro: Sombras, contrastes e muito brilho. Levo em consideração a importância dos trabalhos, dos atores, diretores e técnicos. Assim como a evolução das montagens. Acho muito importante valorizar o trabalho de todos os envolvidos, pois teatro é trabalho em equipe. Cubro os principais Festivais de Teatro. Isso faz com que a extensão da cobertura, tenha caráter nacional. Estou de olho em todas as companhias brasileiras. Posso afirmar que nosso teatro é plural.  "O resto...é silêncio".


Sendo seu trabalho um constante work in progress, podemos aguardar um possível Fotografia de Palco III?
Lenise Pinheiro: Sim estou trabalhando no Projeto do Fotografia de Palco III, já há algum tempo. Meu principal foco no momento é digitalizar meu acervo analógico que compreende o período de 1983 até 2005. Nessa fase acumulei 87 mil fotogramas, milhares de espetáculos aguardam para entram no panteão do universo digital. Pretendo com isso disponibilizar imagens para bancos de dados, bibliotecas, facilitando assim o acesso das pesquisas. Estou em busca de suporte para digitalizar essas imagens, tomara que com essa entrevista, encontre parcerias.