Brincando com tia Gertrude Stein
Edição brasileira de Para Fazer um Livro de Alfabetos e
Aniversários revela uma faceta pouco conhecida da intelectual que batizou a
Lost Generation, a de autora de textos direcionados ao público infantil.
Por César Alves
Zed era uma garotinha francesa que queria uma zebra como presente de
aniversário. Para que o animal se sentisse confortável e o seguisse até em
casa, seria preciso que o pai de Zed pintasse o mundo inteiro com listras. O
conto está na letra “Z” do abecedário de brincadeiras e jogos concebido por
Gertrude Stein em seu livro Para Fazer
um Livro de Alfabetos e Aniversários que a editora Iluminuras disponibiliza
nas livrarias brasileiras, com tradução de Dirce Waltrick do Amarante e Luci
Collin.
Escrito em 1940, o livro seria a segunda investida da autora no universo
infantil, seguindo o relativo sucesso de The
World is Round (O Mundo é Redondo),
publicado no ano anterior. Seus editores, no entanto, se recusaram a publicá-lo
alegando que a obra não era exatamente apropriada para os pequenos. Stein não
se deu por vencida e, após oferecê-lo a diversas editoras, chegou a engatar o
projeto em 1942. Problemas com os ilustradores e, principalmente, as
dificuldades com material e pessoal enfrentadas pelo mercado editorial durante
a II Guerra fizeram com que a obra não chegasse a ser publicada, o que só
aconteceu postumamente quinze anos depois pela Yale University Press.
Trata-se de um alfabeto – cada letra ligada às iniciais dos nomes das
personagens ou relacionada com as datas de seus aniversários – permeado por
contos que fogem do formato tradicional de “começo, meio e fim”, privilegiando
o que a autora chamava de “presente contínuo”. Se as histórias, poemas e
anedotas aqui reunidas muitas vezes beiram o delicioso nonsense, a autora não se acanha em tocar em temas delicados como a
morte e a guerra, por exemplo.
Nome de peso entre os artistas, escritores, poetas e intelectuais
norte-americanos que se mudaram para Paris no período entre guerras e batizados
por ela como a “Geração Perdida” – que contava com nomes como Scott Fitzgerald
e Ernest Hemingway, entre outros –, Stein teve participação efetiva na efervescência
modernista parisiense, travando uma estreita relação com Picasso e Apollinaire,
por exemplo, e acompanhando de perto a construção de movimentos de vanguarda
como o Cubismo. Vem daí sua vocação para os experimentos de linguagem que
fizeram de sua obra uma das mais relevantes do período e que aqui são
explorados, a partir de colagens sonoras, de maneira a tornar a experiência da
leitura num convite ao jogo e brincadeiras de desconstrução da linguagem.
Já foi dito que a leitura da obra de Gertrude Stein representa um
verdadeiro desafio lingüístico. Aqui, o desafio também ganha ares de aventura e
merece ser aceito por crianças e adultos.
Em tempo. Antes tarde do que nunca, a obra de Gertrude Stein vem
ganhando as livrarias brasileiras. Recentemente, a mesma Iluminuras que está
lançando a obra tema deste texto também publicou O que você está olhando – Teatro (1913-1920), reunindo 18 peças de
sua autoria. A extinta Cosac & Naify publicou há alguns anos sua tradução
de Autobiografia de Alice B. Toklas
e, mais recentemente, a editora Âyné publicou Picasso. Esperemos que mais coisas venham por ai...
Serviço:
Título: Para Fazer um Livro de
Alfabetos e Aniversários
Autor: Gertrude Stein
Tradução: Dirce Waltrick do
Amarante e Luci Collin
Editora: Iluminuras
144 páginas
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