terça-feira, 28 de agosto de 2018

Historia do Teatro Sesc Anchieta é contada em livro




Historia do Teatro Sesc Anchieta é contada em livro

Comemorando 50 anos de sua inauguração, espaço que abriu suas portas para montagens que marcaram época tem sua trajetória narrada em obra organizada por Alexandre Mate.

Por Cesar Alves


O endereço da rua Doutor Vila Nova, 245, na Vila Buarque é bem conhecido pelos amantes de cultura e lazer que passeiam pelo centro de São Paulo. É lá que funciona a unidade Consolação do Sesc-SP. Mas, para os amantes do teatro e arte cênicas em geral, o endereço tem um gostinho especial: é também a sede do CPT – Centro de Pesquisa Teatral –, dirigido por Antunes Filho, e palco de uma das salas mais importantes de nosso teatro, o Teatro Anchieta.
Fundado em 1967, o teatro acaba de ser tema de um rico trabalho, organizado por Alexandre Mate, reunindo imagens antológicas de montagens históricas que passaram por seu palco, em um rico registro em livro que leva o nome Teatro Anchieta, Um ícone paulistano.
Fruto de um aprofundado trabalho de pesquisa, a obra conta com um rico material iconográfico, apresentando registros emocionantes de interpretações de textos, montagens e atuações históricas de nomes como Paulo Autran, Bibi Ferreira, Cleyde Yaconis, Raul Cortez, Fernanda Montenegro, Marilia Pera, Eva Wilma e muitos outros, numa constelação de estrelas que ajudam a narrar a própria historia do teatro brasileiro praticado nas ultimas décadas.

Além da riqueza de imagens e pesquisa histórica, o livro também conta com textos emocionantes escritos especialmente para a edição, contando reflexões preciosas sobre a importância do espaço, não só no sentido cultural, mas também como centro de reflexão do papel da arte como transformador político e social, assinados por nomes como Ivam Delmanto, Jacó Guinsbourg, João Roberto, Faria, Mariangela Alves de Lima, Maria Tereza Vargas, Newton Cunha,Sebastião Millaré, Sergio de Carvalho, Silvana Garcia e Silvia Fernandes.
Dividido em três parte, a cereja do bolo fica por conta dos depoimentos emocionados de gente que ajudou a compor esta historia, tais como Antunes Filho, Cleyde Yaconis, Gabriel Vilela, Giulia Gam, J. C. Serroni, Lee Taylor, Ligia Cortez, Sergio Mamberti, Marilia Pera e muitos outros.



Serviço:
Teatro Anchieta, um ícone paulistano
Org. : Alexandre Mate
Edições Sesc
368 paginas



  

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Navalha na Carne: Uma homenagem a Tônia Carrero




Navalha na Carne volta aos palcos

Nova montagem homenageia Tônia Carrero, trazendo Luisa Thiré no papel interpretado pela avó há 50 anos.


Em 1967 Tonia Carrero era tida como símbolo de glamour e beleza feminina, quando levou a diante o projeto de levar aos palcos o texto de Plinio Marcos, Navalha na Carne, um dos mais contundentes e provocadores de nossa dramaturgia.

Na época, a peça estava proibida de ser encenada pela censura do governo militar, mas, num ato de coragem, acompanhada Emiliano Queiroz e Nelson Xavier, sob a batuta de Fauzi Arap o espetáculo foi levado aos palcos e ajudou consolidar a carreira da atriz junto a critica, arrematando uma serie de prêmios e entrou para a historia de nosso teatro.

Agora, mais de cinqüenta ano depois, o texto volta aos palcos como uma homenagem a passagem recente de Tonia, trazendo no papel que um dia foi dela, sua neta, Luisa Thiré. O espetáculo estreou no ultimo dia 23 de agosto, data em que Tonia Carrero completaria 90 anos e também traz no elenco, Alex Nader e Ranieri Gonzalez, sob a direção de Gustavo Wabner.


Serviço
Navalha na Carne: Uma homenagem a Tônia Carrero
Sesc Bom Retiro
Alameda Nothman, 185 – Bom Retiro
Inf.: 3332-3600


domingo, 26 de agosto de 2018

Fernanda Montenegro: Itinerário fotobiográfico




Fernanda Montenegro: Itinerário fotobiográfico


Coroando uma carreira de mais de 60 anos, as edições Sesc lançou este mês o belíssimo Fernanda Montenegro: Itinerário fotobiográfico. Obra de fôlego que conta toda a trajetória da atriz, da infância a consagração como grande dama da dramaturgia brasileira, iniciando no radio, passando pelo teatro, televisão e cinema, onde ganhou projeção internacional como a Dora de Central do Brasil.

Contando com imagens selecionadas do arquivo pessoal – muitas delas inéditas – e registros de suas passagens pelos diversos segmentos dramatúrgicos pelos quais passou, a obra foi organizada pela própria atriz e fazem um apanhado geral de sua vida pessoal e profissional, incluindo cenas familiares ao lado de Fernando Torres, em seu casamento e também parceria profissional que durou 60 anos, ate a morte do ator em 2008.
Também revelam interpretaç
ões e montagens antológicas ao lado de nomes não menos memoráveis como Paulo Autran, Nathalia Timberg e Sergio Britto, entre outros. São instantâneos de apresentações e cenas de bastidores de peças que se tornaram clássicas como A moratória, Euridice, O beijo no asfalto e As lagrimas amargas de Petra Von Kant, entre muitas outras.
O livro também cobre sua passagem pela teledramaturgia, em interpretações que entraram para a memória afetiva dos brasileiros e a historia da televisão nacional em novelas como A muralha, Cara cara, Renascer, O auto da compadecida, Zaza, Celebridade, O outro lado do Paraiso e diversas outras, além de diversas mini series e especiais.
Cobre também sua passagem pelo cinema, do qual a atriz fez parte e ajudou na construção de uma nova cinematografia brasileira, a partir dos anos 50, em filmes como A falecida, Eles não usam Black tie e a consagração para o resto do mundo em Central do Brasil.


Serviço:

Fernanda Montenegro: Itinerário fotobiográfico
Fernanda Montenegro (organizadora)
Edições Sesc

500 paginas 

Brincando com Gertrude Stein





Brincando com tia Gertrude Stein


Edição brasileira de Para Fazer um Livro de Alfabetos e Aniversários revela uma faceta pouco conhecida da intelectual que batizou a Lost Generation, a de autora de textos direcionados ao público infantil.
Por César Alves

Zed era uma garotinha francesa que queria uma zebra como presente de aniversário. Para que o animal se sentisse confortável e o seguisse até em casa, seria preciso que o pai de Zed pintasse o mundo inteiro com listras. O conto está na letra “Z” do abecedário de brincadeiras e jogos concebido por Gertrude Stein em seu livro Para Fazer um Livro de Alfabetos e Aniversários que a editora Iluminuras disponibiliza nas livrarias brasileiras, com tradução de Dirce Waltrick do Amarante e Luci Collin.
Escrito em 1940, o livro seria a segunda investida da autora no universo infantil, seguindo o relativo sucesso de The World is Round (O Mundo é Redondo), publicado no ano anterior. Seus editores, no entanto, se recusaram a publicá-lo alegando que a obra não era exatamente apropriada para os pequenos. Stein não se deu por vencida e, após oferecê-lo a diversas editoras, chegou a engatar o projeto em 1942. Problemas com os ilustradores e, principalmente, as dificuldades com material e pessoal enfrentadas pelo mercado editorial durante a II Guerra fizeram com que a obra não chegasse a ser publicada, o que só aconteceu postumamente quinze anos depois pela Yale University Press.
Trata-se de um alfabeto – cada letra ligada às iniciais dos nomes das personagens ou relacionada com as datas de seus aniversários – permeado por contos que fogem do formato tradicional de “começo, meio e fim”, privilegiando o que a autora chamava de “presente contínuo”. Se as histórias, poemas e anedotas aqui reunidas muitas vezes beiram o delicioso nonsense, a autora não se acanha em tocar em temas delicados como a morte e a guerra, por exemplo.
Nome de peso entre os artistas, escritores, poetas e intelectuais norte-americanos que se mudaram para Paris no período entre guerras e batizados por ela como a “Geração Perdida” – que contava com nomes como Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway, entre outros –, Stein teve participação efetiva na efervescência modernista parisiense, travando uma estreita relação com Picasso e Apollinaire, por exemplo, e acompanhando de perto a construção de movimentos de vanguarda como o Cubismo. Vem daí sua vocação para os experimentos de linguagem que fizeram de sua obra uma das mais relevantes do período e que aqui são explorados, a partir de colagens sonoras, de maneira a tornar a experiência da leitura num convite ao jogo e brincadeiras de desconstrução da linguagem.
Já foi dito que a leitura da obra de Gertrude Stein representa um verdadeiro desafio lingüístico. Aqui, o desafio também ganha ares de aventura e merece ser aceito por crianças e adultos.
Em tempo. Antes tarde do que nunca, a obra de Gertrude Stein vem ganhando as livrarias brasileiras. Recentemente, a mesma Iluminuras que está lançando a obra tema deste texto também publicou O que você está olhando – Teatro (1913-1920), reunindo 18 peças de sua autoria. A extinta Cosac & Naify publicou há alguns anos sua tradução de Autobiografia de Alice B. Toklas e, mais recentemente, a editora Âyné publicou Picasso. Esperemos que mais coisas venham por ai...

Serviço:
Título: Para Fazer um Livro de Alfabetos e Aniversários
Autor: Gertrude Stein
Tradução: Dirce Waltrick do Amarante e Luci Collin
Editora: Iluminuras
144 páginas





terça-feira, 21 de novembro de 2017

Literatura do Teatro em Três Atos



Literatura do Teatro em Três Atos
Por César Alves

Com uma trajetória que remonta há décadas dedicada à publicação de bons livros, nos mais variados gêneros, mas com uma atenção especial para as artes cênicas, tanto no que diz respeito à história do teatro, quanto às técnicas de interpretação, direção, cenografia e dramatúrgica, a Editora Perspectiva é responsável por disponibilizar em nossas livrarias três grandes obras – temas de artigos na próxima edição da revista Cenário.
O Théâtre Du Soleil – Parceria da editora com as Edições Sesc, a obra narra os primeiros cinqüenta anos da celebrada companhia de Ariane Monouchkine, conhecida mundialmente. Premiado como Melhor livro sobre teatro, na França, aqui Béatrice Picon-Vallin – na companhia das vozes daqueles que fazem o Soleiel – narra a epopeia de um grupo de teatro que se distingue, em conjunto com a qualidade de suas criações artísticas, pela originalidade de seu funcionamento, por seus métodos de trabalho e por uma relação com o mundo que funde vida e arte.

Nascida em 1964, a trupe de vanguarda estreou com a montagem de Os Pequenos Burgueses, de Górki. Se hoje o Theatré Du Soleil se inscreve entre as companhias teatrais mais famosas e respeitadas do mundo, com grandes produções e montagens disputadíssimas, mundo afora, assim como seus workshops e demais projetos, no início, o grupo chegou a cogitar criar carneiros para financiar suas peças.
A história do Theatré Du Soleil representa verdadeiro exemplo de paixão e dedicação ao fazer teatral. Mesma paixão aqui narrativa aqui apresentada, num belo projeto editorial, rico em imagens e texto impecável.
A Poética do Drama Moderno é o brilhante estudo de Jean-Pierre Sarrazac sobre os novos paradigmas das formas dramáticas modernas, surgidas a partir de 1880. A pesquisa empreendida por Sarrazac parte da ora de grandes mestre como Ibsen, Strindberg e Tchékhov, chegando até os mais recentes, como Heiner Muller e Bernard-Marie Koltés.

Fechando a trinca de lançamentos, Janaina Fontes Leite faz um profundo estudo prático e teórico sobre as experiências do documentário no universo das artes cênicas, na obra Autoescrituras Performativas: do Diário à Cena.


Serviço:

O Theatré Du Soleil
Autor: Béatrice Picon-Vallin
Editora: Perspectiva e Edições Sesc
368 páginas
Poética do Drama Moderno
Autor: Jean-Pierre Sarrazac
Editora: Perspectiva
368 páginas

Autoescrituras Performativas
Autor: Janaina Fontes Leite
Editora: Perspectiva
184 páginas





segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Ziembinski, Aquele Bárbaro Sotaque Polonês



Ziembinski, Aquele Bárbaro Sotaque Polonês

Livro da pesquisadora polonesa, Aleksandra Pluta, conta a trajetória de um dos mais importantes encenadores do teatro moderno brasileiro.
Por César Alves


No limiar da década de 1940, circulava entre o meio teatral brasileiro notícias sobre “a chegada de um polonês fabuloso, que tinha todo um espetáculo dentro da cabeça antes que se fizesse o menor ensaio ou se batesse o primeiro prego do cenário”.
O mundo amargava os tormentos da segunda guerra mundial e, em meio às notícias trágicas e alarmantes que só um conflito de tais proporções pode gerar pelo menos aquela era uma boa notícia. O polonês era Zbigniew Ziembinski (1908-1978) e o espetáculo – que ensaiava e estrearia em 1943, tornando-se um marco na história do teatro moderno brasileiro – era Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues.
Publicado primeiro na Polônia em 2015, chega agora às livrarias brasileiras, Ziembinski, Aquele Bárbaro Sotaque Polonês, biografia assinada por Aleksandra Pluta e editada pela Perspectiva, com tradução de Luiz Henrique Budant.
Falar sobre a importância de Ziembinski para o teatro brasileiro e, principalmente, sobre o impacto que teve sua colaboração com a companhia Os Comediantes e Nelson Rodrigues na concepção de nossa modernidade cênica já foi feito tantas vezes que é quase impossível fugir do lugar comum. Ziembinski também construiu uma trajetória muito relevante nas telas, como ator de filmes e novelas – sucessos de audiência, como O Rebu (1975) da Rede Globo –, e, antes de chegar ao Brasil, possuía uma sólida carreira nos palcos de seu país de origem. É justamente ai que o livro de Pluta se destaca.
Ator e diretor, formado na Faculdade de Letras da Universidade Jagielonska e na Escola de Arte Dramática do Teatro Municipal de Cracóvia, Zigbniew Ziembinski atuou – como encenador e ator – em mais de 60 espetáculos das maiores companhias e com alguns dos maiores nomes do teatro polonês, além de ter sido professor no lendário Instituto de Arte Teatral de Varsóvia. Metade do livro é dedicada à importância do encenador para também para o teatro e a cultura de seu país de origem.
Aqui ficamos sabendo que Ziembinski chegou a dirigir um filme e a atuar em diversos outros produzidos na Polônia. Além de sua célebre atuação – muito elogiada pela imprensa na época – na montagem de Verão em Nohant, de Jaroslaw Koczanowicz, interpretando o pianista Frédéric Chopin, o livro também revela que “Zimba”, como era carinhosamente chamado pelos amigos da classe teatral brasileira, chegou a conhecer pessoalmente o diretor russo e influência para o teatro mundial do século vinte, Meyerhold (1874-1940) e descreve os bastidores da estréia mundial de Genebra, peça de Bernard Shaw que zombava dos ditadores fascistas, Hitler, Mussolini e Franco. Verdadeiro ato de coragem, tendo em vista que o espetáculo, que estreou em 1938, permaneceu em cartaz cerca de quatro dias depois de a Polônia ser ocupada, no ano seguinte, numa resistência que poderia custar – e, em alguns casos, custou – a vida dos envolvidos.
Sobre a autora
Mestre em Jornalismo pela Università La Sapienza em Roma, com pós-graduação em Protocolo Diplomático pela Pontificia Universidad Católica de Chile, Eleksandra Pluta também é autora de Na onda da história. Imigração polonesa no Chile (2009), Raul Nałęcz – Małachowski Memórias de dois continentes (2012) e Andrés, uma vida em mais de 3000 filmes (2013).

Serviço:
Ziembinski, Aquele Bárbaro Sotaque Polonês
Autor: Aleksandra Pluta
Tradução: Luiz Henrique Budant
Editora Perspectiva

320 páginas

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Especial - Entrevista Sônia Machado de Azevedo



Teatro de transformação

Em seu livro “Campo feito de sonhos”, Sônia Machado de Azevedo usa experiência junto aos Núcleos de Artes Cênicas do Sesi para falar do poder transformador do teatro.
Por César Alves

Ao longo de quase duas décadas, Sônia Machado de Azevedo dirigiu e participou ativamente dos Núcleos de Artes Cênicas do Sesi. Sua experiência foi a base para desenvolver seu livro Campo feito de sonhos: Os teatros do Sesi, obra que chega às livrarias sob o selo da coleção Estudos da Editora Perspectiva. Composto de histórias de vidas transformadas pelo poder da arte e um amplo programa de serviço social, a obra é testemunho apaixonado do poder de iniciativas sérias em arte-educação para a inclusão social e cidadania.
Autora de O papel do corpo no corpo do ator e de Odete inventa o mar, ambos publicados pela editora Perspectiva, a atriz, dançarina, diretora, dramaturga, professora de teatro falou com a revista Cenário sobre o novo livro e a importância da prática teatral como instrumento transformador de vidas.


“Campo feito de sonhos” é o resultado de um longo trabalho junto aos Núcleos de Artes Cênicas do Sesi. A obra nasce como tese. Quando e como surgiu a ideia de transformá-lo em livro?

Sônia Machado de Azevedo: A tese – defendida na USP em 2005 – foi o modo que encontrei de defender e registrar um dos trabalhos de teatro ligados à cidadania mais plenos que eu já tive a oportunidade de presenciar e fazer parte. A sugestão para esse estudo partiu do prof. Jacó Guinsburg, mestre e amigo desde os tempos em que fiz teatro na USP na década de setenta. Transformá-la em livro foi uma consequência natural para conseguir que uma história de tamanha importância pudesse sair das estantes da academia e ser lida por mais gente. O livro é fruto, por diversos motivos, de uma longa espera de onze anos e pensando agora acaba nascendo num momento bastante especial.

Qual a importância de projetos como os Núcleos de Artes Cênicas do Sesi e, do seu ponto de vista, por quê não vemos mais ações parecidas acontecendo da parte dos governos e entidades empresariais?

Sônia Machado de Azevedo: Essa é uma pergunta sobre a qual eu poderia falar durante horas a fio como sabem todos os que me conhecem. Um projeto modelar como o dos núcleos tem baixo custo e incomensurável benefício pois exige apenas uma pessoa de teatro acolhedora o suficiente para navegar nos sonhos dos que chegam e um espaço para abrigar essas histórias que nascem em forma de cena buscando encontros com suas platéias, contato humano, visibilidade e reflexão.
Um serviço como esse pode ser oferecido gratuitamente realizando a verdadeira inclusão de todos os que desejem participar dele. Por que então não se expande por todo o pais das mais diferentes formas?Quando defendi a tese acreditei que até mesmo dentro do SESI tal trabalho pudesse se espalhar pelo Brasil afora através da enorme rede que essa entidade possui em todo território nacional. Isso não aconteceu e meu doutorado não teve na época nenhuma repercussão na entidade. A expansão desse serviço gratuito era meu sonho e o sonho de toda a minha equipe. Brincávamos que cada um de nós podia começar a escolher o estado e cidade em que gostaria de morar para instalar o serviço que cresceria sem parar....Fomos muito ingênuos.... Acho que o sonho de ver toda e qualquer pessoa fazendo teatro sempre permanecerá como um desejo para nós que vivemos nossa vida nesse lugar poético e conhecemos na carne sua importância.

A senhora ainda participa do projeto? Como andam os Núcleos de Artes Cênicas do Sesi hoje?

Sônia Machado de Azevedo: Desde o final do ano de 2008 não estou mais no SESI e, apesar de manter contato com muitas pessoas da minha antiga equipe não saberia dizer o quanto permanece, se permanece e o quanto se modificou desde minha saida repentina. Sei apenas que muita coisa mudou, não sei em que direção...

No livro, a senhora cita diversos exemplos e casos de projetos e indivíduos cujas vidas foram transformadas pela experiência. Gostaria que citasse, dentre os episódios que presenciou, aqueles que foram os mais marcantes para a senhora.

Sônia Machado de Azevedo: Vidas transformadas pela experiência. Todas as nossas vidas foram e continuam sendo transformadas rumo ao infinito de cada um de nós: os alunos, o nosso público, os nossos homens e mulheres de teatro trabalhando dia e noite com uma paixão sem limites. E eles continuam, espalhados por ai com um brilho ardente nos olhos porque isso é a vida prá todos nós e para todos os que se aproximavam dos Núcleos: uma convivência olho no olho, na escuta do outro e de sua vida, numa conversa inacabável que continua quando nos encontramos passados tantos e tantos anos...no meio do livro escrevi algumas histórias que marcaram essas trajetórias cercadas de amor, susto e afeto. O avô que levava o neto para as aulas e de repente se perguntou se não poderia ele também, já idoso fazer teatro. E passou a fazer. O menino que vinha de longe a cavalo para assistir as aulas, depois de trabalhar o dia todo carpindo no sitio e na volta para casa conversava com as estrelas. A enfermeira que saia do hospital e ia para as aulas e se sentia cada vez mais viva. O estivador que saia das aulas e ia para o trabalho madrugada adentro feliz por respirar, apenas respirar o ar da noite após a aula. O menino que nunca havia entrado num teatro e de repente descobre a vida dos bonecos pequeninos que conversam com ele nos finais de tarde antes da noite chegar. A experiência com o outro no teatro expande os horizontes das nossas vidas pelo convívio com tantas diferenças e por nossa aceitação do fato de que somos todos apenas pessoas, únicas e imensamente belas simplesmente por essa unicidade incontestável. Essa, eu penso, foi a descoberta de todos nós e que nos acompanhará para sempre, como um presente imaterial.
Certa vez os adolescentes de uma comunidade próxima a um dos nossos teatros xerocaram ingressos que eram distribuídos gratuitamente para assistir um espetáculo, o que causou inevitável superlotação e atropelo. O que fazer? Como lidar com essa paixão? Claramente havia nesse ato um enorme desejo, uma grande necessidade de viver aquela experiência. De outra vez nesse mesmo lugar jovens tentaram invadir o teatro pulando pelos muros do SESI porque os ingressos haviam acabado e o teatro estava lotado. O que significa isso? E me lembro de um meu entrevistado que hoje é iluminador num desses teatros dizendo que todos os seus amigos de infância estavam mortos. Muitas vezes eu penso com certeza que o teatro salva as pessoas de várias maneiras, mas literalmente também. E pensava, sigo ainda pensando o que é que fazemos com os nossos jovens? Sufocamos seus desejos, assassinamos os seus melhores sonhos e apequenamos suas almas, sua vontade de um mundo melhor, de um novo mundo possível com menos desigualdade, com mais prazer e alegria. É isso? Cruel demais. E penso naqueles adolescentes cheios de vida, a maioria deles com seu dia a dia muito difícil que lutavam por um ingresso nas filas que se formavam nas tardes e noites de teatro. Penso em suas vidas, nas vidas dentro dos teatros e se ainda estão vivos. A experiência desses encontros ampliou e muito o sentido das nossas vidas com um poder, sem exagero eu diria, avassalador. Acho que cada história, de cada um de nós, de todos que passaram por nós, em sua incrível diversidade. e que se tornaram teatro falam de dor e amor do modo mais potente; e também de gentileza entre humanos, coisas tão em falta na sociedade atual tão cheia de julgamento, repressão e ódio.

Seu livro é testemunho incontestável da importância da educação de arte e do teatro como instrumentos formadores e transformadores sociais, principalmente, no que diz respeito a cidadania e bons cidadãos. Vivemos dias estranhos em que grupos e indivíduos costumam se levantar contra projetos sociais e reduzir a relevância do ensino de artes nas escolas e junto às camadas mais pobres da população. O que tem a dizer em resposta a tais argumentos, baseando-se na sua própria experiência?

Sônia Machado de Azevedo: Vivemos sim dias muito estranhos. E eu me pergunto quando tudo isso começou ou onde se ocultava desde os tempos terríveis da ditadura que vivi e que agora se manifesta na prática: essa total e catastrófica inversão de valores que está destruindo os sonhos das pessoas e transformando suas vidas num inferno sem saída, num dia a dia mecânico desprovido de real valor, numa competição sem fim, numa ambição e agressividade desmedidas.  Para que ou por que se nasce afinal? Por que somos seres tão lindos, dotados de sentidos e percepção quase mágicos que nos situam num mundo cheio de possibilidades e modos diferentes de passarmos nossos dias, nossos anos, nossas curtas vidas nessa terra? Como sermos felizes, simplesmente sem ferir nossos semelhantes, sem impedi-los de ter uma vida plena e talvez até mesmo bela? Não somos máquinas de produzir bens de consumo, não somos consumidores de coisas das quais, de verdade não precisamos, não vivemos para trabalhar e sim trabalhamos para viver. Evidente que todos que vivemos nossa vida nesse território demarcado pelos fazeres artísticos estamos nos perguntando no Brasil de agora: o que está acontecendo? Pois se as artes e a vivência artística, como fazedores e como público, nos dimensionam como pessoas e cidadãos mais completos em si mesmos, se as experiências imateriais são, comprovadamente, fundamentais para a sociedade  então o que? Por que? O que é que de fato mora na insistência de nos pensarem robôs a quem se deve apenas ensinar a apertar botões e calar a boca? Acho tudo isso terrível e as respostas que tenho no momento não caberiam aqui. Passeio entre a esperança na continuidade do meu/nosso trabalho de educação informal, nesse trabalho que é meu desde que me compreendo por gente ( e que salvou a minha vida) e em sua importância e o total desencanto com aqueles que detém o poder de interferir num território tão importante como esse, o da educação através da arte. Estou tomada por uma indignação sem tamanho. E como sempre os que sofrerão com tudo isso são exatamente os que mais precisariam desse olhar humano que só as artes da presença parecem trazer, os mais pobres, os que não tem nenhuma saída na realidade cada vez mais estreita de suas vidas. Há um depoimento lindíssimo que colhi e que começava assim:." de onde eu vim ou se era bandido, ou se era polícia; eu fui o único que me salvei....todos os meus amigos de infância estão mortos."

Mais que um estudo sociológico ou trabalho de campo, o livro é um testemunho da importância e do papel transformador do teatro e das artes na sociedade. Afinal, você participou ativamente do projeto, sendo também protagonista da história. É o tipo de experiência que, imagino, acaba tendo impacto sobre quem participa. É possível descrever a importância de seu trabalho junto aos Núcleos em sua carreira e até se, de alguma forma, a experiência, o convívio e o retorno disso tudo tiveram influência sobre você, como mestre e educadora?

Sônica Machado de Azevedo: Posso dizer que a experiência com os Núcleos de Artes Cênicas do SESI e meu trabalho em seus teatros iluminou um lado desconhecido da minha alma ao me apresentar a verdadeira cidade e estado em que nasci com suas periferias e favelas, com suas cidades do interior; um mundo de verdade não aquele romantizado nas telas da televisão, um mundo diverso e denso em cores, credos e maneiras de viver que eu desconhecia. Sinto-me como alguém que teve a sorte de herdar, nessa viagem intensa que durou dezessete anos, invisíveis tesouros que, por mais que eu divida continuam a crescer dentro de mim; tornei-me mais corajosa, mais simples no modo de viver nesse mundo louco, mais humilde porque a vida é frágil e perigosa e porque ser gente é lindo só quando se respeita e se é respeitado e quando se conhece a liberdade. Conheci a verdadeira compaixão porque olhar a realidade com os olhos de outra pessoa tentando assim conhecer novos pontos de vista é um duro e denso aprendizado que não cessa nunca. No Brasil de hoje às vezes penso que aqueles que querem tirar a arte do ensino gratuito ignoram esse universo de que trato, porém, na maioria do tempo, penso exatamente o contrario: eles sabem que a prática da liberdade advinda da criação e da vivência artística conduz ao caminho sem volta da consciência de si, de uma melhor auto-estima e da consciência crítica e consequente tomada de posição frente à realidade. E isso não interessa. Interessa que as coisas permaneçam como estão, melhor ainda que regridam aos tempos em que cada um sabe o seu lugar e permanece em sua "casta". A artista que mora em mim nunca se separou da professora de artes; conheço uma vida interior rica, alargada, preenchida de muitos rostos, vozes e infindáveis histórias que fazem parte da minha trajetória, isso me torna uma pessoa mais atenta na escuta de meus alunos e no cuidado com suas experiências. Sou a cada dia maior por dentro (esse é o melhor modo que encontro de explicar) mais forte e cuidadosa porque conheço e reconheço a dor e a miséria invisíveis à maioria das pessoas e ao mesmo tempo a infinita força de luta do ser humano na busca por vidas que tenham sentido em si mesmas, no contato com esse mundo amplo e imaterial. Agradeço a oportunidade dessa entrevista e espero que Campo feito de sonhos possa ajudar a pensar a importância das artes cênicas na vida dos cidadãos e das cidades desse nosso imenso país. Esse livro é minha declaração de amor, uma profunda e definitiva declaração de amor ao teatro e sua força, e a todas as pessoas que me ajudaram a construir um trabalho que continua a se expandir nos nossos filhos, nos filhos dos nossos filhos rumo a um futuro melhor. Preciso – mais que nunca – acreditar que sim.

Serviço:
Campo feito de sonhos: Os teatros do Sesi
Autor: Sônia Machado de Azevedo
Editora Perspectiva

354 páginas