quinta-feira, 28 de julho de 2016

Cinema Explícito - Rodrigo Gerace



Cinefilia na Alcova

A representação cinematográfica do sexo através da história é tema de Cinema Explícito, livro de Rodrigo Gerace.
Por César Alves

Representado de forma sugerida, simulada ou explícita, o sexo divide a mesma alcova com o cinema, em cumplicidade lasciva, desde o surgimento do cinematógrafo. Ainda assim, poucos são os estudos sérios e aprofundados sobre o sexo no cinema a ir além das preliminares. Talvez, devido ao elevado nível de tabu e controvérsia que – surpreendentemente, em pleno século 21 – ainda gira em torno do tema, são poucos os estudiosos que ousam passar do flerte ou, diante do assunto, antecipar a broxada.
Não é o caso de Rodrigo Gerace, autor de Cinema Explícito – As Representações Cinematográficas do Sexo, lançado recentemente pela Editora Perspectiva em parceria com as Edições Sesc. Resultado de sua tese de doutorado, a obra faz justiça ao que se propõe, promovendo um mergulho aprofundado na maneira como o ato sexual vem sendo mostrado no cinema, do nascimento do gênero até os nossos dias.
Sociólogo e Crítico de Cinema, Gerace se viu seduzido pelo tema a partir de sua paixão pela sétima arte e, depois de assistir à exibição de Os Idiotas (1997), de Lars Von Trier, suas interrogações sobre o erótico e o pornográfico, o implícito e o explícito e o que faz uma película cinematográfica ser considerada obscena. A partir daí o autor empreendeu uma extensa pesquisa que incluiu assistir a cerca de mil filmes e uma jornada pela Europa em busca de museus e acervos de colecionadores particulares.
O autor parte dos primeiros filmes com temática “erótica”, ainda na fase inicial da sétima arte. Eram filmes como Sandow: Strong Man (1894) de Thomas Edson, que, de tão inocentes para os padrões de hoje em dia, dificilmente dá pra acreditar na polêmica que causaram. O Beijo (1896), dirigido por William Heise e também produzido por Edson, por exemplo, exibia não mais que um pequeno “selinho” entre dois atores que, na época, encenavam uma peça na Broadway. Por mais ingênua que a cena pareça hoje em dia, uma vez deslocada do palco e apresentada em close-up, foi considerada tão obscena que um crítico de Chicago chegou a apelar que a polícia impedisse sua divulgação, devido à ofensa moral aos bons costumes, que tamanha “safadeza” explícita representava.
Mas é bom lembrar que tratar como caso de polícia as manifestações da sensualidade na arte, já naquela época, não era bem uma novidade. Já em 1873 o congresso norte-americano aprovou o Ato de Supressão do Comércio e Circulação de Literatura Obscena e Artigos Imorais, que criminalizava a distribuição através dos correios de obras literárias, artigos censurados e qualquer material impresso cujo conteúdo fosse considerado contrário aos padrões morais da época. O conjunto de leis foi proposto pelo congressista, chefe dos correios e arauto da luta pela moralidade e controle da vida sexual alheia, Anthony Comstock. A Lei Comstock, como ficou conhecida, promovia uma verdadeira caçada a textos proibidos, como traduções clandestinas de Sade, por exemplo, mas também barrava textos médicos e panfletos sobre métodos contraceptivos.
Quem leu o brilhante livro reportagem de Gay Talese, A Mulher do Próximo – e, para quem não leu, fica aqui a dica –, deve se lembrar que a lei teve papel importante na repressão a livros como O Amante de Lady Chatterly, de D.H. Lawrence, e foi fundamental para barrar a publicação nos Estados Unidos de autores como James Joyce, por exemplo. A lei serviu também para impedir a difusão, através do correios, dos controversos Stag films, (aqui também analisados), que eram curtas de conteúdo erótico, produzidos na época do cinema mudo, como o argentino El Satario (1907), de autor desconhecido, e A Free Ride (1915), de A Wise Guy.  Mas viria de um ex-colaborador e pupilo de Anthony Comstock, o líder do Partido Republicano, William H. Hays, a verdadeira repressão ao sexo no cinema.
Aprovado em 1921 e em vigência até meados do século XX, o Código Hays impunha uma série de códigos e conduta a serem seguidas pelos produtores de cinema, para que os filmes fossem exibidos. Tais regras iam da que um casal nunca poderia aparecer indo dormir no mesmo quarto – com exceção de quando eram casados e, mesmo assim, não na mesma cama, e sim em camas separadas –, até a duração de um beijo que, dos quatro segundos, na época da primeira publicação da lei, chegou a ser reduzido para um segundo e meio, a partir de 1930.

De O Cão Andaluz a Garganta Profunda
Mas Gerace não se limita a analisar o aparelho repressor do “empata foda jurídico” Estatal contra o sexo no cinema e, se o assunto são as representações do sensual e do erótico na grande tela, o autor promove um verdadeiro compêndio do que até aqui foi feito, tanto no cinema comercial das grandes salas, quanto no circuito independente Cult e underground, passando pela indústria pornô. É o caso de Garganta Profunda (1972), de Gerard Damiano, estrelado por Linda Lovelace, que causou polêmica no meio acadêmico e dividiu o movimento feminista entre aquelas que enxergavam no filme uma propaganda machista e falocêntrica, enquanto outras o viam como libertador e um marco contracultural do movimento pela liberdade e igualdade sexual. Reflexo disso ou não, Garganta Profunda ganhou admiração de gente como Truman Capote e, dos 25 mil dólares gastos para realizá-lo, acabou faturando 600 milhões de dólares em todo o mundo, consolidando o potencial financeiro da indústria cinematográfica do cinema adulto.
De O Cão Andaluz, de Dali e Buñuel, aos experimentos de Andy Warhol; de O Diabo em Miss Jones a Ninfomaníaca, de Lars VonTrier, passando por Pasolini, John Waters, o cinema gay e o movimento New Queer, mais que um registro histórico, o autor pautou-se pela analise sociológica e acadêmica e teve como referência não só os filmes e os registros publicados sobre eles, mas também a obra de grandes autores que também debruçaram-se sobre o tema, como Susan Sontag e, principalmente, Michel Foucault.
Mas não pense o leitor que Gerace limitou sua pesquisa às manifestações do sexo no cinema internacional, o Brasil não ficou de fora, com direito a um capitulo especial sobre a produção marginal da Boca do Lixo paulistana e a Pornochanchada.
Ricamente ilustrada, a obra nos oferece um deleite quase orgástico, graças ao excelente trabalho de pesquisa, a escrita nada cansativa e produção visual, com reproduções de cartazes pouco vistos e cenas antológicas dos filmes citados.
Rodrigo promete um livro sobre Lars Von Trier para os próximos meses. Então, ainda falaremos muito dele por aqui.

Serviço:
Título: Cinema Explícito
Autor: Rodrigo Gerace
Lançamento: Editora Perspectiva e Edições Sesc
320 páginas



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