segunda-feira, 11 de julho de 2016

Especial - Cantatas de J. S. Bach




Compêndio do êxtase divino
Com acabamento gráfico belíssimo e pesquisa digna de sua importância, finalmente chega às nossas livrarias a primeira edição brasileira das Cantatas de J. S. Bach, de Alfred Dürr.
Por César Alves

Segundo Lewis Thomas (1913-1993), “musica é nosso esforço para explicar a nós mesmos o funcionamento de nosso cérebro”. O argumento tenta explicar o êxtase experimentado – mesmo em se tratando dos ouvintes não familiarizados com música erudita – durante a execução das composições de J. Sebastian Bach. Segundo o médico, biólogo, escritor e poeta, entre as diversas atividades que exerceu, “quando ouvimos Bach, ouvimos a manifestação da própria mente humana”.
Sendo o cérebro humano morada de nosso sentido de existência, a mente – que também pode ser traduzida por alma, conforme o gosto do leitor – é o templo filosófico intimo e interior do humano como indivíduo, onde a razão científica e a graça religiosa oram juntas e, na musica – seja sacra ou profana –, mesmo os mais racionais dos materialistas, entre os homens, entram em comunhão com o que talvez não encontre uma tradução melhor além de divino. Para Lewis, J. S. Bach não apenas comunica-nos a nós mesmos como indivíduos, como também, dentre todos os grandes compositores da história, foi quem melhor traduziu nossa civilização como espírito coletivo.

Leigo que sou – há gente muito mais gabaritada do que eu para explanar sobre Lewis Thomas e J. S. Bach –, minha interpretação pode ser um disparate pretensioso ou quase uma ofensa aos argumentos de Lewis em defesa de seu compositor favorito. Embora não seja de toda sem sentido.
Conta-se que, certa vez, ao ser questionado sobre que mensagem ele enviaria a uma possível civilização, distante no tempo e no espaço, para exemplificar o que a raça humana tinha de mais gracioso e belo, sem pestanejar, teria respondido: “Eu enviaria toda a obra de Bach”. Sua sugestão foi acatada e, em 1977, junto com a Voyager 1 – atualmente o objeto de fabricação humana mais distante a vagar no universo –, seguiu um disco dourado que deveria apresentar nossa espécie a possíveis outras civilizações alienígenas, incluindo o compositor das peças que compõem Cantatas, livro assinado pelo musicólogo Alfred Dürr (1918-2011), que finalmente ganha edição brasileira graças ao excelente projeto da editora da Universidade Sagrado Coração (Edusc).
Publicado originalmente em 1971, As Cantatas de J. S. Bach, desde o início, atraiu a atenção não só de especialistas e músicos eruditos, como também do grande público. Fruto de anos de dedicação meticulosa de seu autor, a obra reúne parte considerável da produção do maior compositor alemão do período Barroco.
Considerado um dos maiores especialistas na obra do autor de peças inconfundíveis para qualquer um que possua um aparelho auditivo – tanto profundos conhecedores quanto leigos –, de Jesus Alegria dos Homens e Tocata em Ré Menor – ainda há teorias conspiratórias que põem em dúvida Bach como verdadeiro autor da última, é bom lembrar –, o berlinense Alfred Dürr debruçou-se sobre o tema de forma aprofundada, resultando num trabalho ainda inigualável e estudo indispensável para musicólogos, músicos, admiradores da musica clássica e erudita, mas nem por isso, incompreensível para leigos.
Obra de valor incontestável, a versão brasileira que acaba de ser lançada, não foi missão das mais fáceis e demandou dedicação apaixonada e trabalho exaustivo de todos os envolvidos. A idéia de traduzir o livro de Dürr surgiu em 2002, mas o projeto ficou parado até 2010 e, entre aprovação do projeto pela Lei Rouanet, captação de verbas, revisões, formatação estética e adaptação, o mais fiel possível, do original em alemão para o português, tendo como objetivo único nada abaixo da perfeição, até que o calhamaço de cerca de 1.400 páginas chegasse até os leitores brasileiros, representou uma verdadeira Via Sacra. O resultado – e o leitor pode conferir por conta própria –, certamente, valeu a pena. A belíssima edição da Edusc, desde já, merece lugar de destaque entre os melhores lançamentos do ano.
Considerado um dos maiores monumentos da musica ocidental, o conjunto das Cantatas de Bach está diretamente ligado ao legado luterano. Durante sua vida, J. S. Bach compôs mais de mil peças musicais, buscando inspiração e apropriando-se dos mais diversos gêneros musicais da época, do folclórico ao religioso, de temas sacros ao materialismo profano, mais de dois terços de sua produção, dedicado a Igreja Luterana.
Na verdade, não há como separar Bach do perpetrador das Reformas, Martinho Lutero, apesar do quase um século e meio que separam o nascimento do primeiro, depois da morte do segundo. Também musico, foi Lutero quem redefiniu o papel do canto nas congregações cristãs, até aqui obrigatoriamente em latim ou grego, ao permitir a composição de cânticos na língua local para que fossem compreendidos pelos fies das igrejas, além de fazer a primeira tradução para o alemão do texto da Bíblia – o que lhe valeria a excomunhão.
 Gênio precoce, aos 14 anos, J. S. Bach compôs sua Cantata Número 4, justamente inspirada no cântico Christ Lag In Tades Bonden (Cristo Está nos Domínios da Morte), composto por Lutero.
Tido como o maior nome do Barroco Alemão e Cânone Maior da Musica Ocidental, pode parecer estranho que Bach não tenha gozado de grande fama em vida. Era pouco conhecido fora de seu país e, para se ter uma idéia, quando veio a falecer, aos 65 anos, em 1750, sequer foi considerado importante para ter uma lápide com seu nome, ao ponto de ser preciso escavar cerca de 47 covas, em 1894, para encontrar seus restos que, desde 1950, descansam na Igreja Thomaskirche, em Leipzig, à qual dedicou sua vida.


Serviço:
As Cantatas de J.S. Bach
Autor: Alfred Dürr
Editora: Edusc

1.400 páginas

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